Projeto socioprofissional atende e integra os jovens neurodiversos de Brasília

Por Giovanna dos Santos Macedo de Souza

A necessidade de espaços e programas de inclusão produtiva para pessoas em situação de vulnerabilidade social sempre esteve presente. Em meio a essa demanda, o projeto Vivências é a mais nova proposta do Instituto Ninar, que fornece um ambiente de capacitação profissional e interação social para a população jovem neurodiversa em Brasília.

A neurodiversidade abrange um amplo espectro que engloba diversas diferenças neurológicas, como o autismo, a dislexia, o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), a síndrome de Tourette, entre outras. Este projeto é um espaço que acolhe esse público, em sua maioria contendo membros dos mais variados graus do transtorno do espectro autista, também conhecido como TEA.

O Instituto Ninar realiza atendimentos no DF para pessoas de todas as idades nessa condição, cujos serviços variam dentro de uma ampla leva de áreas de atuação: psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, pedagogia, fisioterapia, educação física, nutrição e música. O projeto Vivências começou no final de 2020.

Em razão da alta procura de serviços de capacitação profissional da pessoa neurodiversa durante o período da adolescência, o Vivências acolhe adolescentes a partir dos 14 anos e jovens adultos. Para acompanhar e auxiliar os viventes, como são chamados os participantes, o projeto conta com psicólogos formados e em formação (estagiários).

A estagiária Sheila Veras de Sousa é estudante de psicologia no Centro Universitário de Brasília (CEUB) e trabalha no Vivências com as turmas de segunda e quarta-feira, desde o meio do semestre passado. Ela descreve o projeto como um local de inclusão para os jovens vivenciarem situações comuns do dia-a-dia que talvez não tenham oportunidade e/ou incentivo fora do projeto, mas que podem ser oferecidas no Vivências com o auxílio de intervenção profissional em um ambiente controlado.

Sheila também relata que as atividades realizadas facilitam o desenvolvimento da independência e autonomia, explorar o exercício de habilidades sociais e oferecer tarefas que preparem os jovens para o mercado de trabalho. Fazendo as atividades sozinhos, com a intervenção dos psicólogos acompanhantes quando necessário, os viventes atravessam a rua, vão a um restaurante, cafeteria ou shopping, escolhem o que desejam consumir, chamam o garçom, fazem o pedido e pagam a conta. O que para muitos pode parecer um processo simples, na verdade trabalha-se uma série de habilidades por trás, desde a interação com os demais à segurança no trânsito e questões financeiras. 

A turma de convivência trabalha com a interação entre os membros. Isso é feito principalmente por meio de conversa, debate, jogos e sessões de cinema. Estes são alguns dos momentos mais desafiadores e importantes do projeto, uma vez que a maioria dos jovens são autistas, e o TEA “se refere a uma série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem”, segundo uma pesquisa levantada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).

Sheila explica que um dos maiores desafios da convivência social “é conseguir puxar uma conversa, é conseguir se inserir no assunto sem ser só o que você gosta”. Segundo ela, é difícil conseguir conversar com o outro sem ser naquele assunto que os interessa, já que os autistas podem apresentar um conhecimento muito específico sobre determinado tópico e querer falar mais sobre tal.

A turma profissional é uma das mais procuradas, onde os membros vivenciam situações de bater ponto, anotar todas as tarefas que realizam, utilizar crachás de identificação, dentre outros. Para essa turma, o Instituto Ninar disponibiliza uma Kombi azul, carinhosamente apelidada de kombinha, que é utilizada como food truck para vender comida, roupas e plantas, tudo escolhido a dedo pelos próprios viventes.

O projeto possui parceria com a loja Quitutices, que vende produtos sem lactose e sem glúten, atendendo boa parte dos jovens e seus familiares que possuem restrições alimentares. Os viventes têm a responsabilidade de fazer o controle de balanços, ver o quanto venderam, o quanto lucraram e se tiveram prejuízos. Nas segundas-feiras, entram em contato com a Quitutices e informam o que precisam encomendar. Nas quartas, vendem os produtos na kombinha na 514 sul, das 16h20 às 18h20. 

A Quitu na Kombinha é um sucesso entre os viventes profissionais e seus clientes. O vivente Bruno Carvalho Medeiros tem 16 anos e trabalha voluntariamente como gerente de vendas da kombinha. Ele conta que esta é uma das tarefas que mais sente prazer em realizar.

Viventes na Quitu na Kombinha | Fonte: divulgação/ Instagram:@vivencias.brasilia


Os psicólogos que trabalham no projeto e acompanham os jovens fazem registros de cada atividade diariamente para controle. Os registros vão sendo estruturados em forma de gráficos e portfólios. Ao fim de cada semestre, são apresentados aos pais dos viventes, o que torna possível observar visualmente como tem sido o desenvolvimento dos grupos. Este também é um método para os psicólogos poderem analisar o que está bom e o que pode melhorar no projeto.

O Vivências é um local de conquistas e recompensas para quem vivencia essa experiência, tanto para os jovens neurodiversos, quanto para os próprios psicólogos. Bruno conta que “esse projeto foi um presente de Deus na minha vida e é um dos lugares onde me sinto mais feliz”.

Sheila percebe que, além de ensinar, ela aprende no Vivências, e que observar a evolução dos jovens é a sua maior recompensa. “É prazeroso demais ver cada avanço, tudo o que conseguem fazer sozinhos. A gente fica na torcida e vibra muito por todas as conquistas, então eu acredito que o maior ganho é esse, o prazer em ver o desenvolvimento gigante de cada um”, diz a estagiária.

Um comentário

Deixe um comentário